domingo, 16 de maio de 2010

Desvalorização feminina na Memória (II)

Testemunhos


Vivemos uma era em que se deram importantes mudanças na condição feminina. Todavia um estudo das Nações Unidas datado de 1995 refere que 70% dos pobres no mundo são mulheres e que:

“(…) apesar de duas décadas de avanços na educação e saúde da população feminina em todo o mundo, centenas de milhões de mulheres, quer em nações ricas quer em nações pobres, ainda são economicamente subvalorizadas, é-lhes negado o acesso a um efectivo poder político e são mantidas na submissão por gritantes desigualdades à face da lei.”
[1]

“Mãe e esposa: filhos, cozinha e igreja era o ideal de vida feminina no começo do século. Existiam as senhoras e existiam as mulheres; era essa a grande divisão moral de um género feminino que não teve pernas visíveis até bem entrados os anos vinte [da centúria de 1900], escondendo o corpo em férreos espartilhos e a vida no lar. A casa era o seu território e todo o seu mundo, a gaiola para rir, chorar ou desesperar. O marido, imaginado como príncipe encantado, era a razão básica desta existência feminina, o sentido que tudo decidia: um deus humano. Sem marido, uma mulher burguesa era um fracasso; uma mulher seca, uma puta ou uma solteirona, mas ambas imagens de um grande fracasso. A mulher, fosse o que fosse, era uma máquina reprodutora. As mulheres burguesas eram criadas sem iniciativa, atadas a um destino parasitário e sem outro horizonte além do delírio da fantasia servido por folhetins, romances e sonhos impossíveis.”
[2]

“As mulheres tornaram-se perigosas quando começaram a ler e a escrever.”[3]

“(…) [As mulheres] descobriram que a História tinha sido masculina e que os homens a tinham feito à sua medida, sem nenhum lugar para elas. E começaram a pensar no porquê de tal disparate.”[4]

A gravidez, a maternidade e a amamentação sempre constituíram territórios exclusivos da mulher. Como resposta, os homens criaram através da História e permeando todas as culturas, uma variedade de territórios exclusivos para si próprios: a guerra, a política, o clero, os negócios e assim por diante. Desvalorizaram as mulheres e classificaram-nas como inferiores por duas razões básicas: primeiro por recearem serem eles biologicamente inferiores; segundo porque eles próprios foram desvalorizados pelo desenvolvimento da agricultura.

Contudo, apesar das resistências encontradas, algumas transformações ocorreram ao longo do séc. XX na condição feminina: o parto deixou de ser uma ameaça incontornável à vida da mulher; os contraceptivos garantem uma ideia de responsabilidade perante a reprodução; o sexo passou de castigo a prazer; o trabalho veio possibilitar a independência feminina; a mulher tem cada vez mais acesso à educação e à cultura; os electrodomésticos vieram aliviar o trabalho do lar; a mulher obteve o direito de voto.

Porém, as mulheres não governam, as relações sociais empurram os homens para uma situação em que, fazendo muito pouco, controlam a vida das suas famílias, a economia e a política. “Em África as mulheres produzem mais de 75% da comida, cultivam os campos e fazem tudo o necessário para assegurar a sobrevivência e não se morrer de fome, mas... não decidem.”[5]

Os homens no poder não terão interesse em partilhar o dinheiro ou os lucros; de modo geral, as mulheres nos governos ocupam-se da saúde ou da educação.

“As pressões para que as mulheres sejam conformistas são enormes.”
[6]

“[Fui educada] para falar francês, pôr bem a mesa e sentar-me com as pernas juntas. Não fui à universidade, saí do colégio com a ideia de que me ia casar e ser mamã…”
[7]

“Existe diferença no sentido do poder entre mulher e homem. Eles, por vezes, têm mais o sentimento do poder pelo poder que é o objectivo por que desejam o poder. Pelo contrário, as mulheres concentram-se mais no objectivo, no que querem fazer, o que as leva a esquecerem-se do poder e perdem-no.”
[8]

“Ela [a sua mãe] foi o caso típico de mulher abandonada, sem ter havido divórcio, regressou a casa dos pais, mas nunca se colocou a hipótese de se manter a si mesma: dependia sempre de alguém. Vi-a sempre como vítima… por isso me esforcei em não dever nada a ninguém.”
[9]

“Naquele trabalho [de hospedeira] o cliente era um deus e nem sequer existiam palavras para exprimir o assédio sexual nem nada do estilo. (…) Sucedeu que o meu marido, que era estudante, precisou de uma cirurgia dental e o seguro da companhia [aérea] disse que não cobria os cônjuges dos empregados que eram mulheres; em contrapartida, cobria todos os familiares dos empregados homens.”
[10]

“Porque é que há tão poucas ministras? Porque é que o Fundo Monetário Internacional só tem dois directores? Gostaria de falar como Betty Friedan e pensar que existe um ‘complot’ contra a mulher, mas acontece muitas vezes que o pior inimigo da mulher é a própria mulher. Crescemos num mundo que não nos ensinou a valorizarmo-nos; temos uma falta de auto-estima brutal, uma espécie de sentido maternal em relação ao homem… passamos por alto coisas que depois nos obrigam a lavar pratos. Se as mães dos rapazes de dezoito anos fossem apenas mães e não se preocupassem com a gestão e o conforto, os rapazes aprenderiam a cozinhar e a lavar… Embora também me preocupe estar no ano 2000 e que as mulheres do Afeganistão não possam, não só realizar filmes, como ir ao cinema! Há muitas coisas, a educação não te ensina a valorizares-te, misturando com o pânico de que, se não te comportas como um homem, vais perder os valores que te tornam atraente como mulher…”
[11]

“Pensei sempre que as mulheres são mais lutadoras porque têm necessidade. Somos mais numerosas e somos diferentes dos homens (…). Hoje o feminismo não tem dúvidas sobre o direito à igualdade, mas diz que, por serem diferentes, as mulheres podem trazer outras coisas, como é olhar para a sociedade de outra maneira da que fazem os homens. Seguramente temos mais em conta o indivíduo, a pessoa, as relações, a colaboração e a conciliação. Temos umas relações diferentes com as crianças e uma ideia da sociedade menos rígida e com mais imaginação.”
[12]

“Quando as mulheres são ambiciosas, são sérias, procuram as coisas bem feitas até ao pormenor e, além disso, têm a convicção de que há coisas definitivamente importantes, como é o laço que as une à vida. Quando se faz política, isso nota-se; os homens são um clube que actua, em política, como tal. Pelo contrário, as mulheres sabem, também, que não se podem impor para não serem imediatamente acusadas de autoritarismo ou de histeria, pelo que procuram o equilíbrio e o pacto constantemente.”
[13]

As mulheres mandariam de forma diferente dos homens?
“Espero que não. É um disparate pensar que se podem mudar as características do poder que é, sobretudo, responsabilidade. E esta responsabilidade deve ser utilizada da melhor maneira possível, faça-se o que se fizer, administre-se uma empresa ou um país. É preciso conhecer as pessoas, ajudá-las a melhorar, fazer bem as coisas e, em tudo isso, tanto faz que se seja homem ou mulher. Talvez as mulheres possam emprestar uma certa sensibilidade… No meu caso, sei que, quando via que tinha de fazer algo, o fazia; se tinha de decidir, decidia, assim como quando decidimos ir embora, vamos. O trabalho tem as suas leis e normas para todos, seja-se o que se for.”[14]

[1] Cf. Barbara Crossette, “U.N. Documents Inequities for Women as World Forum Nears” in The New York Times, 18/08/1995. [Consult. 7 Jan 2009] Disponível em http://tinyurl.com/8pmeoj
[2] Margarita Rivière, op. cit., p. 17.
[3] Rita Süssmuth [ex-Presidente do Bundestag] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 189.
[4] Margarita Rivière, op. cit., p. 18.
[5] Graça Machel [activista dos direitos das crianças e das mulheres] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 202.
[6] Idem, p. 190.
[7] Rita Süssmuth apud Margarita Rivière, op. cit., p. 191.
[8] Idem
[9] Isabel Allende [escritora chilena] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 226.
[10] Patrícia Ireland [Presidente da Organização Nacional de Mulheres (NOW) nos Estados Unidos] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 242.
[11] Isabel Coixet [realizadora de cinema espanhola] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 207.
[12] Simone Weil [ex-ministra francesa e ex- Presidente do Parlamento Europeu] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 223.
[13] Idem.
[14] Katharine Graham [empresária e proprietária do Washington Post] apud Margarita Rivière, op. cit., p. 211.

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