domingo, 1 de novembro de 2009

Evolução do mundo contemporâneo - parte 1 de 5

As previsões do futuro constituem habitualmente o campo de actividade de astrólogos, cartomantes e afins, com os resultados – ou a falta deles – que se conhecem.
Todavia isso não significa que, a partir da situação actual, não se possa extrapolar sobre uma possível evolução para o mundo contemporâneo, no que se poderia chamar um exercício de pesquisa histórica inversa, isto é, iniciando-se no presente e caminhando para o futuro ao invés de rever o passado. E, no entanto, é com base nesse mesmo passado que se pode criar essoutro hipotético futuro.

Por outro lado, a ficção científica sempre teve a virtude de antecipar de algum modo o futuro. Veja-se o caso de Júlio Verne e as suas obras Da Terra à Lua ou Vinte Mil Léguas Submarinas, clássicos da literatura que imaginaram o que é nos nossos dias uma realidade perfeitamente comum.

Deste modo, recorrendo à informação que nos é diariamente debitada pelos media e juntando-lhe a especulação literária da ficção científica, tentou-se construir um quadro daquilo que poderá ser o mundo contemporâneo quando se tornar pós-contemporâneo. Não será um retrato lisonjeiro mas antes um perfil que reflectirá uma possível evolução das tendências actuais – políticas, económicas, culturais – e suas consequências na sociedade mundial.

A situação actual[1]

Tem-se verificado que o que comanda actualmente a política dos países mais poderosos são os interesses económicos, regra geral pensados para o tempo imediato. O princípio democrático de que o poder político, por ser resultante de sufrágio popular, está acima do poder económico é, nos dias de hoje, encarado com certo cinismo numa sociedade mundial em que o principal valor é o mercado e, por conseguinte, o dinheiro. Tudo o resto se torna secundário para os grandes decisores políticos, sejam valores morais ou de sobrevivência humana.

O mundo contemporâneo está incerto, desregulado. Durante a “guerra-fria” esteve perfeitamente definido em dois blocos antagónicos: de um lado uma sociedade democrática e livre – ainda que com imensas lacunas – composta pelos EUA e pela Europa; de outro, uma sociedade dita igualitária mas que era tão-somente totalitária, o grupo dos países comunistas. Ambos disputavam entre si a primazia mundial. Existia ainda um grupo de países chamados não-alinhados, que não se reviam em nenhum dos blocos, mas que faziam um certo jogo entre os dois. Nos dias de hoje, o mundo tal como era conhecido, desabou.

Com o desfazer da “cortina de ferro” e o colapso do sistema comunista, deixou de existir um mundo bipolar, emergindo uma única e grande potência: os Estados Unidos. É uma potência com um poderio militar sem rival, aliado a uma enorme capacidade económica, o que lhe permitiu auto-assumir um papel de defensora da democracia e da liberdade, vistas pelo prisma do mercado-livre, isto é, só aqueles países que optaram por uma economia de mercado são verdadeiramente democráticos. Estava assim criada a ideia de que democracia e mercado-livre são conceitos convergentes e que se fundem num único.

Todavia, se é possível dizer-se que sem a economia de mercado não se chega à democracia – como ficou demonstrado após o colapso da economia centralizada comunista em que tudo e todos dependiam do Estado, logo tinham a sua liberdade circunscrita o que não é compatível com um regime democrático –, não é correcta a afirmação contrária, pois a democracia não se obtém através da economia de mercado – veja-se o caso das ditaduras sul-americanas, em que os milhares de mortos e desaparecidos por discordarem da política oficial não impediram o florescimento de uma economia liberal.

Surge então o conceito de globalização, que embora não seja exactamente novo – pois tem sido utilizado desde o séc. XV quando Portugal, Espanha, e, por fim, a Inglaterra passaram a dispor de vastos impérios coloniais – conheceu uma aceleração e um aprofundamento sem par na última década do séc. XX e nestes primeiros anos do séc. XXI. Tendo beneficiado sobretudo da revolução tecnológica trazida pela informática – que também esteve na origem da queda do bloco soviético, dado que a rigidez da sua economia impedia a livre circulação de capitais proporcionada pela era dos computadores (Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem) – a globalização fez-se sentir não apenas a nível económico mas também na transmissão de informação e conhecimento.

Ora informação e conhecimento são importantes formas de poder que, como seria de esperar, atraem a atenção dos poderosos que, controlando a sua transmissão, adquirem um óptimo veículo para a implementação dos seus interesses (como brilhantemente descreveu George Orwell em 1984), sejam eles de índole meramente comercial ou de índole eminentemente política. Sintomaticamente, porém, tem-se verificado uma grande convergência das duas – a ponto de a primeira servir como condutor da segunda – nas relações da única superpotência existente com o resto do mundo ou não fosse pela via comercial que se tem estabelecido a hegemonia dos povos nos sucessivos impérios que já existiram ao longo da História. Assim sendo, qual poderá ser a evolução a partir daqui? Os EUA certamente buscam a manutenção da liderança mundial a nível político – por vezes com “tiques” imperialistas – e a melhor forma de conseguir esse objectivo é a manutenção de uma hegemonia comercial. Suponha-se então um mundo em que vender se tornou um fim em si mesmo e em que as agências de publicidade tudo controlam, inclusive os órgãos de governo. Não será substancialmente diferente daquele em que vivemos, quando se sabe a influência que os lobbies económicos têm sobre o poder político nos dias de hoje, mas antes um seu corolário lógico.

[1] Cf. Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, Mem-Martins, Publ. Europa-América; Samuel Huntington, O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Lisboa, Gradiva, 2001, 2ª edição; Mário Soares, Um Mundo Inquietante, Mafra, Círculo de Leitores, 2003.

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